Um aspecto que, me parece, passa despercebido na maior parte das discussões sobre Complexidade, em especial aquelas levantadas no contexto das ciências “duras” tradicionais, é uma que pode questionar tão profundamente nossa compreensão científica que, acho, intuitivamente a muitos cientistas “varrem para debaixo do tapete”.

Esse é um aspecto epistemológico: os estudos sobre Complexidade, em especial aqueles derivados da primeira geração de ciberneticistas (particularmente Gregory Bateson) e de Edgar Morin indicam que toda variação de Quantidade envolve uma mudança de Qualidade, mesmo que em “mudanças de fase” profundamente imprevisíveis. Isso significa que a ferramenta suprema da ciência positivista, a capacidade de quantificar toda e qualquer domínio de uma realidade estudada, é bastante questionada: os estudos de ecologia indicam que a percepção do mundo, e a construção de cognições úteis e consequentes, é constantemente surpreendida por emergências (aspectos imprevisíveis, mas auto-organizados) que só podem ser compreendidos instrumentalmente (de modo codificado e quantificado) post facto, e não de antemão.

Isso significa que a ciência deve mudar bastante, assim como a tecnologia: deveríamos ser capazes de superar a arrogância de crer que somos capazes de controlar precisamente a Qualidade das consequências de nossas criações, em especial aquelas que implicam mudanças consideráveis na Escala em seu desenvolvimento (produção industrial é um bom exemplo, mas isso se aplica a qualquer extrapolação de escala).

Mas, além disso, recolocar a Qualidade em uma posição de destaque no pensamento científico pode ter consequências bastante interessantes para o modo como compreendemos o mundo, e em especial para o modo como construímos ele.

A Qualidade diz respeito ao que define O Que É um objeto, uma entidade qualquer. Essa questão foi sendo gradualmente colocada em uma posição periférica no pensamento, especialmente porque é muito difícil conseguir atingir-se consensos quanto a O Que É uma coisa qualquer.

Me parece um processo muito similar ao de expulsão do Significado dos estudos de comunicação: a Teoria da Informação postula que o Significado de uma declaração é inteiramente irrelevante, apenas sua estrutura eficiente – ou seja, suas consequências mensuráveis – é importante. Em termos linguísticos, a Sintaxe é o que importa – a Semântica pode ser colocada em segundo plano ou, mesmo, totalmente desconsiderada. (Mesmo quando há a Semântica, ela é vista como uma conexão inter-domínios, ou seja uma Sintaxe entre campos diferentes, com Sintaxes diferentes.)

Tudo parecia bem, até que mais e mais processos desastrosos decorrentes do anseio humano de produzir MAIS E MAIS, e de alterar profundamente fluxos estabelecidos e extrema complexidade e profunda auto-integração (o que chamamos de Ecossistema) se manifestaram com grande obviedade… A Ecologia ganha a enorme força que tem na cultura contemporânea exatamente porque ficamos órfãos de uma explicação suprema, uma mitologia que pudesse dar conta dos fatos: a falência da “ciência padrão” nesse campo foi tão cabal que uma miríade de explicações surgiram, dentre elas o que chama-se estudos da Complexidade. É claro que a ciência padrão não consegue suprir respostas úteis, ou sequer interessantes, para muitas áreas, não apenas para a biologia e a ecologia – vemos aplicações para os estudos de complexidade para a cultura organizacional, para sociologia, para a gestão pública, para o urbanismo, para sistemas interativos…

Mas, me parece que ainda falta assumir-se o retorno do Significado, da Qualidade, da Percepção Sensível para o campo dos estudos científicos…

Complexidade, Quantidade e Qualidade.
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