Desde 1984, com o lançamento do Macintosh, a Apple se promove como uma força contrária a uma espécie de obscurantismo tecnocrático, na época simbolizado pela IBM, depois mantida pela imagem corporativa da Microsoft, e mais recentemente colocando-se como a opção “cool” e melhor desenvolvida frente ao mundo Windows.A versão simplificada da emergência dos PCs, apresentada no filme “Piratas do Vale do Silício”, já levantava a proximidade ética entre IBM e Microsoft, o que não era óbvio na época em que os fatos relatados se passaram.
No entanto, me parece óbvio que uma simbologia bastante evidente passou despercebida. Na propaganda de lançamento do Macintosh, de Ridley Scott, uma atleta ariana arremessa um martelo (literalmente) contra a tela em que o “Grande Irmão” vocifera as palavras de ordem. Atrás de tela destruída, emerge o Mac, interpretado como o “antídoto” para a massificação desalmada característica do universo corporativo, que no discurso da época se identificava com a IBM.
Ora pois, me parece que mensagem era muito mais clara, e requeria ainda menos interpretação: o “Grande Irmão” É o Macintosh….!
Como assim? Veja só. O que está atrás da tela? Qual seria a alma do “Sistema”? Em uma interpretação quase naive – assim como o Mágico de Oz é um indefeso franzino que esconde-se atrás de uma máscara assustadora – a face aterradora do Grande Irmão foi substituída pela face amigável e “cute” do Mac.
Talvez não seja estranho que a imagem que a própria empresa (Apple) está associando ao seu mais recente sucesso seja similar a outra imagem há muito familiar. O iPhone está questionando profundamente o modo como utiliza-se computação móvel, e está demonstrando as possibilidades implícitas da Computação ubíqua. Certamente, esse produto será responsável pela confirmação da entrada da Apple no universo dos Information Appliances e da pervasividade computacional. Com produtos adicionais de software e provedoria, como o “Mobile Me”, a Apple passa a oferecer uma suite de serviços, equipamentos e suporte que marca o início da banalização de técnicas fundamentais da ubiquidade.
Ecoando a revelação do “pequeno irmão”, na propaganda de Scott de 1984, a imagem selecionada pela empresa para simbolizar, iconizar o iPhone é o botão “home”, muito similar ao olho eletrônico do computador HAL 9000, do filme 2001, de Stanley Kubrick. O computador central da espaçonave Discovery, que levaria os astronautas a Júpiter, resolve, por conta própria, que os seres humanos não seriam confiáveis para desempenhar a tarefa mais importante da missão: contato com uma civilização alienígena — e decide matar toda a tripulação. Ironicamente, o computador HAL 9000 era uma espécie de tutor da missão, onipresente em todas as seções da nave, sempre observando os seres humanos, e controlando as funções gerais. A imagem do olho eletrônico de HAL 9000 funcionava como uma espécie de “Grande Irmão” virtualizado: não é necessário que a face de um ser humano se apresente para o indivíduo vigiado e controlado, a presença amiga de uma inteligência superior se faz por meio de um olhar zeloso e nêutro.
Como torna-se óbvio, a neutralidade é impossível, e a inteligência superior da máquina é, antes de qualquer coisa, alheia a qualquer agenda humana.
A mesma ubiquidade de HAL 9000 na espaçonave/refúgio da humanidade, é aquela da telefonia celular em um futuro próximo em toda a superfície do planeta, o que Buckminster Fuller chamou de espaço-nave Terra.