Em uma das novelas de Asimov, da série “Fundação”, o autor descreve uma interface homem-máquina peculiar: ainda em 1980, Asimov fala sobre uma interface de controle da espaço-nave do protagonista daquele episódio da extensa série Fundação capaz de feitos incríveis. Certamente muito influenciado pela surpreendentemente rápida ascensão da computação pessoal nos dez anos anteriores, Asimov incorpora a idéia de interação sofisticada, coisa ausente na maioria da Sci-Fi anterior. Dentre as propostas estava uma interface mente-máquina, por meio do contato das mãos. Imagens, sons e posições de corpos celestes e outras espaçonaves se manifestariam na mente do piloto.
Sendo possível ou impossível, tal interface faria, ainda, uso de outro aspecto computacional ao qual Asimov apenas alude, mas que, de saída, me fez pensar: ele conteria um modelo completo de nossa galáxia! Pode parecer algo relativamente viável, mas vejamos as limitações inerentes a essa proposta. A aritmética simples é mais do que suficiente para esse levantamento superficial:
A Via Láctea contém mais de 200 bilhões de estrelas. Se utilizarmos apenas 1 Kb para descrever cada estrela, o que é pouco, considerando-se que uma estrela é algo um pouquinho complicado…, para dizer o mínimo… seria necessário um banco de dados de 200 Tb. Isso sem descrever o restante do sistema em questão.
Mas, se criássemos um banco de dados mais extenso, no qual cada estrela seja descrita em sua composição, tempo de vida, progressão histórica, origem, tendência futura, órbita galáctica, e também a descrição dos planetas, asteróides, luas, cometas, e outros detritos cósmicos… Bom, dediquemos 1 Mb para cada item (o que, obviamente, é pouco, teríamos pouquíssimas imagens, e de baixa resolução, ou apenas dados numéricos). Teríamos mais de 1 trilhão de entidades por sistema, ou seja 200 bilhões x 1 trilhão x 1 milhão de bytes. Ou seja, um banco de dados de 200.10e15 Tb. É… grandinho…
Vamos um pouco mais adiante. Se formos compor um banco de dados um pouco mais completo, contendo uma coleção de um Gb por corpo celeste (o que ainda é pouco), teríamos um banco de dados de 200.10e18 Tb. Isso seria ainda muito pouco: missões como a Cassini (Saturno) e Galileo (Júpiter) geraram múltiplos Gb de informação bruta. E ainda, mesmo depois de processada (e portanto multiplicada), essa informação ainda não nos permite ter certeza da composição exata desses gigantes vizinhos…
Estamos hoje em um estado de desenvolvimento técnico em que armazenamos informação em portas lógicas composta de bilhões de átomos. Se reduzirmos a escala necessária para o armazenamento de um bit para apenas um átomo, poderíamos compor repositórios de informação realmente monstruosos, e concretamente muito frágeis.
Me parece que duas conclusões são necessárias: 1 – que qualquer repositório de informação sobre a galáxia deveria existir de maneira distribuída, e não centralizada, e 2 – que qualquer intenção de “simular” um universo envolverá alguma forma de processamento e armazenamento de informação tão extensa que torna-se impossível, do ponto de vista da concretude. Como é dito, seria necessário um espelho para reproduzir nosso universo… Isso em uma relação 1 para 1.
Quanto à primeira conclusão, ver Vernor Vinge, na série Zones of Thought, em que o autor postula a existência de uma antiga e vasta rede informacional galáctica, muito similar, em termos éticos e funcionais, à Internet de fins da década de 1980. (Alem disso, Vinge ainda relaciona a geografia galáctica a uma espécie de “limitação à velocidade de processamento”, com implicações para a inteligência viva, assim como para as limitações à automação.)
Quanto à segunda conclusão, muita coisa pode ser desdobrada. Em especial, me parece indicar um “Imperativo Cósmico” no sentido da produção colaborativa e à distribuição generalizada de recursos, uma espécie de aversão cósmica à centralização.
Um bom modelo é sempre menor (mais simples) que a realidade representada. Os limites de processamento aos quais o modelo está sujeito começam com a elegância, economia e funcionalidade deste modelo. Mas qual é a relação numérica entre o tamanho informacional de uma entidade e o tamanho informacional de sua representação? O sonho do Pós-humano, também compartilhado pela Filosofia Analítica, é o de que essa relação é extremamente pequena. E, não apenas isso, é uma relação formal e perene.
Pergunte a qualquer artista, filósofo pós-estruturalista, médico praticante, ou mesmo uma criança… É provável que qualquer um destes te diga que a relação entre modelo e realidade é tão flutuante quanto as ondas do mar…