Continuo a questão do projeto…
O projeto é, sempre, um agenciamento de potencialidades, ou melhor, virtualidades: a determinação de um futuro nunca é possível, apenas o agenciamento de potências que estejam disponíveis.
A noção determinista de projeto pode apenas fazer sentido do ponto de vista de uma mentalidade instrumental, estritamente cientificista, que crê que toda realidade é, antes de tudo, o produto de uma determinação, de um “grande projeto” concebido, provavelmente por “deus”. Não acho nem um pouco estranho que exista tanta coincidência entre mentalidades religiosas e científicas.
Considerando a noção antiga, e bastante crítica e podersa, da Arte, a determinação específica não é possível: a Arte, sendo do domínio do “possível”, da potência, e não do “necessário”, da repetição de uma ordem pré-existente, pode apenas falar de possibilidades, entendidas, segundo a abordagem pós-estruturalista, como “virtualidades”.
Concretamente, o projeto da “cultura de projeto” é a manipulação de entidades complexas, prenhes de fluxos e mutações. Como popularizou Levy, o “virtual” é o agenciamento de fluxos, e não a determinação de um futuro. Esse segundo caso seria o domínio da relação entre a “possível” e o “real”: o projeto, entendido como “desenho técnico”, indica um futuro em “possibilidade” — a concretização daquele futuro específico é a “realização” do projeto. A noção “virtual” de projeto, à qual aludo aqui, trata de uma relação mais complexa: novamente, como nos disse Levy, é “a relação entre a semente e a árvore”, de múltiplos clones de um embrião, miríades de variações emergem, diferentes o suficiente para percebermos a individualidade de cada uma — seu desenvolvimento vivo confere essa individualidade.
A cultura de projeto reconhece essa multiplicidade, e aceita que sempre emergirão variações inesperadas, e abraça-as, como fatos de uma concretude. É essa concretude que a mente instrumental quer erradicar, procurando pela confirmação de um “céu de idéias” perene, anterior e posterior à humanidade, a mim e a você. O projeto determinista é, sempre, a transposição de um conceito que é tido como dado, e não como a criação de uma nova realidade. Mas, creio que isso é impossível. Assim sendo, a noção determinista de projeto pode apenas ser aquilo que denonimo “determinismo indireto”: uma manobra difícil e convoluta que permite que a mente instrumental trate de virtualidades, convencida de que trabalha apenas com a relação “possível/real”. (É o mesmo caso da “emergência retroativa”: os teóricos da Emergência começam a rever toda a história humana, a tecnologia, os sistemas sociais e de governo, os arranjos culturais e a arte, e começam a questioná-los como sistemas complexos dotados de propriedades emergentes, e não fruto de planejamento centralizado, por mais que essa descrição possa parecer a mais sensata.)
É por isso que a cultura de projeto pode apenas ser colaborativa: o virtual se completa no “atual”, aquilo que “existe em ato”, como dinamismo concreto do devir vivo — e mesmo que o trabalho seja individual: o indivíduo se vê como parte de uma tapeçaria social e cultural. Ou seja, a atitude projetual pode apenas ser uma das duas: ou o projeto de entidades complexas, o qual abraça a variabilidade e multiplicidade do concreto, ou a tentativa de um “determinismo indireto”, que procura corrigir o curso das emergências, de maneira que o “resultado” se assemelhe ao máximo à entidade visualizada inicialmente no projeto determinista.
Obviamente, não é obrigatório ser exclusivista na ativação de uma abordagem ou outra. E, na verdade, creio que o diálogo entre ambas é um que promoverá ainda muitas riquezas. Além do que, não posso dizer que erradiquei de mim mesmo a “mania de erradicar”…
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